terça-feira, 25 de março de 2008

A encosta da Serra da Gardunha

Na altura da Páscoa fui passar o fim-de-semana a casa. Voltei outra vez às raizes para beber da calma e do acolhimento tão generoso e agradável da nossa aldeia. Aproveitei para estar com alguns amigos que, ao longo dos tempos, cada vez se vai tornando mais dificil poder partilhar da sua presença.
Mas algo me marcou. Provávelmente a Frente Polar que estávamos a atravessar. Ou porque já havia algum tempo que não vinha pasar uns dias por cá. Tentei ver toda a área com outros olhos. Imaginar a história que por ali se segmentou e que percorreu. Imaginar toda uma vivência e as experiencias que foram ficando no imaginário e nas bocas dos verdadeiros sábios, tornando-se ao longo dos anos em hitórias e lendas, ladaínhas e dizeres que vão tornando cada lugar um sítio especial.
Subi até ao cimo da Serra da Gardunha e tentei imaginar esses tempos idos. Deveras que imaginei épocas e momentos únicos.
Muita coisas poder-se-ia dizer da encosta da Gardunha, pois aqui a vegetação é esplendorosa, onde a cerejeira reina e outrora reinava o castanheiro. Serra de múltiplas cores e épocas. Onde a história corre nas veias que a montanha esconde. E então caimos em qualquer das múltiplas histórias que ela nos pode levar... Imaginei que quem vinha de sul, deparava-se com os ventos frios do norte, fortes, que no inverno cortavam. Imaginei que uma viagem provávelmente fosse feita ainda de día, para aproveitar a luz do sol e os seus raios, pois os ventos regelam-nos os ossos, ainda que nos tragam uma beleza única a toda esta envolvência. Tem-se uma visão agradável e que fica no imaginário de qualquer um. Imaginamos cavaleiros a percorrer o seu caminho de sul para norte com o intuito de passar a Serra da Gardunha. Não que a Serra seja temível, que ofereça perigo, mas aqui começa o massiço montanhoso, onde o frio dá mostras de si no Inverno. Imaginei que esses ditos cavaleiros tinham simplesmente uma vontade: Passar a Serra da Gardunha para se vir abrigar na Cova da Beira... Onde o calor se faz sentir em cada casa, onde há sempre uma pessoa que recebe de braços abertos, onde as vidas são preenchidas pelas histórias da comunidade e pelas pequenas vivencias do seu mundo, onde nos sentimos em casa... Esses cavaleiros desejavam chegar a este pequeno lugar para poder conviver com os nativos e aquecer-se neste recanto, sempre de vista virada para a temerosa Serra da Estrela, onde os frios são temidos e se adivinha tempos duros para quem necessita de Caminhar para norte.
Ou seja, este recanto convida a ficar e repousar, parar e refletir, brindar e conviver para depois seguir caminho.

2 comentários:

  1. A Encosta da Serra da Gardunha

    Interessante este pequeno escrito sobre a Gardunha. Conheço a Gardunha há mais de 50 anos, quando os lobos ainda uivavam pelas fragas e pilhavam cabra que se descuidasse. A serra de hoje não é a de há um século. Desde a infância que percorro as suas veredas, da Senhora da Orada à Covilhã Velha, subo aos seus penedos (Pedra Selada, Cabeço do Mastro, Cabeço da Janela, Cabeço do Saco, Pedra Bem Posta...). A Penha da Senhora da Serra é um ponto espectacular. Para mim, a Gardunha tem sido um lugar mágico.
    Sobre os ventos vai um escrito:

    VENTOS DA GARDUNHA

    Os ventos cavalgando os penedos
    Abrem lágrimas nos rostos das giestas.

    Do Sul, as aragens mornas trazem
    A luz e os aromas na polpa das cerejas.

    Do Norte, os gelos das noites luminosas
    Moldam as faces telúricas dos homens.

    Sobre as cores, também:

    RÚTILA PAISAGEM

    Outono!
    Nítidas mariposas
    aladas de mil cores
    as folhas se dispersam
    em mil fulgores
    divinas cintilações
    de sagrados vitrais.

    Rútila paisagem!
    Os pássaros cantam
    eternos gorjeios
    e a serra emerge
    em explosões de luz
    nas aguarelas cintilantes
    dos castanheiros.

    Nas orlas matizadas
    das vertentes em festa:
    o ouro das folhagens
    o limão dos ramos
    o ocre seco dos fetos
    em cópulas delirantes
    orgias de cores e de sol
    ou apenas uma eterna
    e mágica alegria vegetal.

    E a serra, de um modo geral:



    SERRA DA GARDUNHA

    Uma serra de paisagens densas e largas,
    límpidos aromas envolvem as alturas,
    metamorfoses do tempo, húmus e aromas.
    Invernos de sincelos nos gumes do frio,
    Primaveras ou noivados de rútilos fulgores,
    mantos imaculados dos cerejais em flor,
    Outonos serenos de imponentes catedrais,
    ramagens desfolhadas em mil matizes,
    sublimes vitrais da Natureza em festa,
    sinfonias telúricas de peregrinas cores,
    fragrâncias de urzes, acácias e rosmaninho.
    Altos desígnios sublimaram sumas divindades.
    A Senhora da Serra repousa na sua Penha,
    envolvência de memórias, milagres e lendas,
    ancestrais crenças de numinosos protectores,
    santuário de preces, aras de fenos e alecrim.
    Erectos fragões pautam a sinfonia das alturas,
    afagos do vento modelam a dureza das arestas,
    raízes ou orgias místicas de granitos e xistos,
    Castelo Velho ou gemidos de mouras encantadas,
    no marulhar cristalino e cantante dos ribeiros,
    descendo para o Inferno, entre azenhas e olivedos.
    Pedra Selada ou potros de crinas ondulantes,
    Pedras Escritas nas veredas do Tormentoso,
    mistérios de outros homens e de outras eras.
    Três cruzes se elevam na calçada da Portela,
    onde o Diabo rebentou à meia-noite em ponto
    e as bruxas bailando se desfizeram em vento,
    com as saias enfunadas e chispas nos olhos,
    para que a Gardunha se erguesse, monumental,
    entre silêncios e medos, como eterna flor de pedra!

    ResponderEliminar
  2. Gostava de saber quem é o autor dos versos. Obrigada.

    ResponderEliminar